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O Meu Chapéu

O Meu Chapéu

Angela Leite de Souza
Ilustrações em aquarela e colagem:
Angela Leite de Souza

Infantil
24 x 17 cm – 24 páginas
Ano 1993

Editora Scipione
Pça Carlos Gomes, 46
São Paulo / SP

Sinopse

A coleção lengalenga parte de jogos concebidos como canções. Por isso, cada volume inclui a respectiva partitura musical, de modo que alguém possa solfejar ou tocar a melodia, tornando o exercício de memorização – principal característica dessas brincadeiras – mais fácil e agradável. As “histórias” obedecem a uma seqüência lógica. Aquele que esquece algum item da lista, cada vez mais longa, sai do jogo. Mas como a cantiga não tem fim, há sempre a possibilidade de retornar e acertar.

“O meu chapéu tem três pontas.
Tem três pontas o meu chapéu.
Se não tivesse três pontas,
Não seria o meu chapéu.”

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Sintonia Fina com o leitor

Textos / Resenhas

por Angela Leite de Souza
Janeiro/2011

Escrever para ser lido por pessoas de carne e osso e, de certo modo, dialogar com elas – assim Lino de Albergaria define seu papel de escritor. Mas a verdade é que esse autor de quase 90 obras, nos mais diversos gêneros, desempenhou também outros papéis ao longo de seus (quase) 61 anos de vida.

O primeiro passo rumo a uma existência cercada de livros foi dado muito antes que ele soubesse ler. Nessa época, ouvia com enlevo, repetidas vezes, um disquinho de vinil que contava a história de Ali Babá e os quarenta ladrões. E, certo dia, movido pela curiosidade natural de um menino de três anos, encontrou a caverna mítica dos tesouros na biblioteca do pai. Das paredes recobertas de prateleiras, os inúmeros livros como que pediam: “abra-nos…” Lino obedeceu, tirando um deles da estante e utilizando, ao invés de palavra mágica, um lápis bicolor, encontrado sobre a escrivaninha, para iniciar sua conversa com a literatura. Encheu as páginas com desenhos, contando uma história sobre a já impressa ali. Por sorte sua mãe foi clarividente, e não só achou graça na ideia como guardou o volume por trinta anos, só então entregando-o ao filho, como um troféu.

Àquela altura, Lino já havia começado a caminhada literária. Nascido em Belo Horizonte, onde vive hoje, formou-se em Letras e Comunicação, cursos que fez simultaneamente, na UFMG e na PUC Minas. Depois de trabalhar algum tempo como redator em house organs, partiu para a França, onde cursou editoração, na Universidade de Paris, e fez estágio na biblioteca infantil de Clamart. Nasciam aí as primeiras histórias escritas para crianças, mas ainda como adaptações de contos populares.

De volta ao Brasil, Lino pôs em prática os conhecimentos adquiridos sobre a feitura dos livros e passou a trabalhar como editor de literatura para jovens. Exerceu inicialmente essa função nas editoras FTD, em São Paulo, e Rio Gráfica, no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, ia publicando seus próprios livros em diversas casas do país. E obtinha o reconhecimento para dois romances escritos para o público adulto – Em nome do filho, finalista da Bienal Nestlé de Literatura de 1985, e A estação das chuvas, premiado no Concurso do Estado do Paraná, em 1992.

Aquele período particularmente renovador da literatura infantil (anos 1980) transformou-se no objeto de sua tese de mestrado e, mais tarde, na obra intitulada Do folhetim à literatura infantil: leitor, memória e identidade (Ed. Lê, 1997), em que compara o momento com a época de florescimento dos folhetins do século XIX.

Em 1991, retomando o trabalho de editor, Lino ficava agora à frente da área infanto-juvenil das editoras Lê e, posteriormente, Dimensão. Paralelamente, continuava seus estudos, concluindo com brilhantismo o doutorado em Literaturas de Língua Portuguesa: sua tese, que teve como tema Ouro Preto e o modernismo, seria recomendada para publicação pela banca examinadora.

A aprovação chegava igualmente para cada novo livro, firmando seu nome entre os maiores de uma literatura infanto-juvenil brasileira também cada vez mais forte e mais rica. “Tem construído uma sólida obra, em que demonstra especial sensibilidade para aprender a difícil passagem do mundo infantil para o mundo adulto”, escreveu Laura Sandroni, a propósito de Nosso muro de Berlim. “Linguagem concisa, coloquial e viva, perfeitamente sintonizada com o interesse e o nível da compreensão dos pequenos leitores”, assim Nelly Novaes Coelho analisou o conjunto de sua obra. “Numa literatura, como a brasileira, carente de textos que reflitam de maneira artística e respeitosa sobre o pré-adolescente, o texto de Lino de Albergaria se destaca”, disse Antônio Hohlfeldt sobre A mão do encantado.

Lino de Albergaria é atualmente redator da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, onde ingressou por concurso público, em 2002. Com seus múltiplos talentos e tantos títulos colecionados, ele não abre mão de uma das atividades que mais o gratifica – ir às escolas que constantemente o convidam para conversar com seus leitores. Afinal de contas, segundo ele, “o leitor constrói o autor”.

Artigo retirado do blog da Aeilij: http://aeilijpaulista.blogspot.com

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Casa de las Américas: a cultura como resistência

Angela Leite de Souza *

TEXTOS / ARTIGOS

Com o Prêmio, a literatura latino-americana ganhou um novo espaço na arena internacional

Jurados da última edição
do Prêmio Casa de las Américas

Conhecer Cuba foi, durante as décadas de 1960 e 70, um sonho temerário. Nos vinte anos seguintes, uma aventura possível. E, a partir dos 90, uma viagem cultural quase obrigatória, especialmente para quem vive abaixo da linha do Equador. Nesses quarenta anos, a geografia política do Planeta mudou a ponto de varrer de sua face o regime (mas não as ideias) que respaldava a longa revolução de Fidel. Enquanto isso, na Ilha, não importa a que custo, algumas utopias deixaram de sê-lo: a saúde e a educação, pontos-chave do programa de governo, socializaram-se de fato. E, ao que parece, graças ao êxito desse binômio, a cultura nunca perdeu sua vitalidade.

Talvez esteja aí a explicação para a sobrevivência do Prêmio Casa de las Américas, que desde 1960 distingue as literaturas de toda a América Latina.

Longe de apenas sobreviver, o concurso vai se tornando, a cada edição, mais prestigiado. Na 42ª, que aconteceu em janeiro de 2001, o número de obras concorrentes, 849, enviadas por 22 países, revela, acima de quaisquer outros interesses – afinal, três mil dólares é uma quantia relativamente modesta – o status que a premiação confere: seja aos agraciados, seja aos mais de mil intelectuais que já se deslocaram até lá pelo surrado motivo de sempre – amor à arte.

Galeria Ilustre

Só isso explica que nos primeiros anos, alguns deles tenham atendido ao convite da Casa de las Américas à custa de perder o emprego ou de sofrer pressões por parte da imprensa em seus países. E ainda enfrentar mirabolantes itinerários para atingir Havana, àquela época mais isolada do que nunca. “Recordo que, na primeira vez que vim a Cuba, em 1966, para integrar o júri de “romance” tive de voar nada menos que 50 horas, em várias etapas”, contaria, anos mais tarde, um dos maiores promotores do prêmio no exterior, o escritor Mário Benedetti.

Não foram poucos os grandes autores que emprestaram o prestígio de seus nomes ao concurso, ao integrar júris inúmeras vezes. Alejo Carpentier, Ítalo Calvino, Ernesto Cardenal, Miguel Ángel Asturias, Júlio Cortázar, Camilo José Cela, Nélida Piñon, Antônio Cândido e até o mais recente Nobel, José Saramago, que foi jurado da categoria “literatura brasileira” em 1992, são alguns dos que deram peso à história do Prêmio Casa, como é carinhosamente chamado pelos cubanos. E essa mesma história inclui, por outro lado, a honra de ter revelado e laureado escritores que apenas despontavam na cena literária, como o uruguaio Eduardo Galeano, o chileno Antônio Skármeta ou o argentino Ricardo Piglia.

Do Brasil, já é longa a lista de premiados – entre eles, Oduvaldo Viana Filho, Moacyr Scliar, Ana Maria Machado, Deonísio da Silva – e maior ainda a de jurados, alguns famosos na esfera literária e fora dela: Chico Buarque, Ziraldo, Rubem Fonseca, Antônio Callado, João Ubaldo Ribeiro e, nos idos de 1982, Fernando Henrique Cardoso.

Paciência e bom humor

Fundada em 1959, sob a direção de Haydée Santamaría, naquele ano mesmo a Casa de las Américas divulgou o regulamento da primeira edição do Prêmio, que então se denominava “Concurso Literano Hispanoamericano”. Aquela altura, premiavam-se apenas cinco gêneros: romance, conto, teatro, ensaio e poesia. Em 1964, autores brasileiros passaram a ser aceitos, o que fez mudar o nome do certame para “Concurso Literario Latinoamericano”. Mas foi só em 1980 que a nossa literatura ganhou categoria própria. Enquanto isso, outros gêneros e categorias foram incorporados, como a literatura infanto-juvenil, a caribenha em inglês e creole, a caribenha em francês e creole, as indígenas.

Hoje, os responsáveis pelo Centro de Investigações Literárias, que coordena o concurso, têm justificado orgulho dessa abrangência. Afinal, dizem, é raro um prêmio que contemple ao menos quatro gêneros por edição, com obras escritas em seis línguas e cobrindo um espaço geográfico tão amplo quanto complexo. Desde a criação do concurso, nada é mais importante, no entanto, do que a edição, pela Casa de las Américas, de todos os livros vencedores. Essas publicações hoje chegam à tiragem de 10 mil exemplares e são distribuídas, dentro das possibilidades, pelo mercado latino-americano.

Uma coisa, porém, são as estatísticas e os números que se colocam no papel. Outra é acompanhar de perto o processo do concurso, que tem início poucos meses após o encerramento da edição anterior. Já no meio do ano, são impressas mais de três mil convocações, contendo o regulamento, para serem distribuídas pela América Latina em meio a dificuldades de toda ordem, inclusive a lentidão postal. Ao mesmo tempo, sondam-se os possíveis jurados. Apesar de um ou outro entrave burocrático, tudo acabará bem: na última semana de janeiro do ano seguinte, os cubanos, donos de uma paciência e bom humor inalteráveis, estarão à espera dos novatos e dos veteranos com o mesmo sorriso hospitaleiro.

Soyinka, o bruxo

Uma vez em Havana, entra em ação um esquema simples e eficiente. No próprio hotel em que os jurados (25 em 2001) se hospedam – o Habana Riviera, de arquitetura estilo anos 50, à beira do famoso Malecón, instala-se também o escritório da Casa de las Américas que, em pouco tempo, se converte numa babel de sotaques castelhanos e, mais raramente, algum portunhol.

Uma programação cultural foi criteriosamente montada e, pelo menos duas vezes por dia, esses desconhecidos, que ao final de duas semanas terão se tornado velhos amigos, embarcam no ônibus da Casa. O destino tanto pode ser um passeio por Habana Vieja, o velho centro da cidade, que está sendo restaurado, e onde, como quaisquer turistas, conhecerão La Bodeguita del Medio e o quarto de hotel em que Hemingway vivia, quanto uma ida ao concerto oferecido especialmente por Chucho Valdés e seu quarteto aos Jurados do Prêmio Casa.

A condição de jurado funciona como uma espécie de senha que, uma vez ouvida por qualquer cubano, provoca automaticamente admiração e redobrada gentileza. Na verdade, o povo de Cuba, com um grau de instrução bem acima da média latino-americana, sabe que o Prêmio Casa é um dos principais responsáveis pela imagem cultural do país. Tanto assim que, para a cerimônia de abertura, ninguém menos que um Prêmio Nobel de Literatura pode ser o convidado de honra.

Fachada do prédio da Casa de las Américas

Neste ano, o escritor nigeriano Wole Soyinka lá estava para fazer o discurso inaugural diante de um auditório lotado. “Se Cuba tem uma lição a oferecer ao mundo, disse ele, é a de que reconhece, em seu próprio solo, a natureza de ‘bruxa’ no artista em geral – um ser possuído por visões incômodas, às vezes socialmente irruptoras, sacudido internamente por visões heréticas. Os prêmios literários existem para honrar o casamento entre essa inspiração original, não complacente com a indústria, e a condição artística.” E finalizou: “A aceitação social desta missão como nossa razão de ser é o que justifica a rede global de bruxas da qual a Casa de las Américas é uma parte vital. E isso, acima de outras considerações, o que valida nossa celebração da criatividade humana.”

Estivadores da cultura

Passadas as emoções iniciais, tem início uma atividade febril entre os diversos membros da Casa, incumbidos de dar ao corpo de jurados todo o suporte necessário ao desempenho de seu papel. Assim, algumas horas depois da cerimônia inaugural, o ônibus vai sendo carregado com uma impressionante bagagem: primeiro, as inúmeras malas e valises dos visitantes; depois, caixas e mais caixas de papelão contendo o que, pelo volume, aterra a todos – os originais concorrentes.

Os participantes da “maratona literária” serão levados para um hotel campestre, próximo à cidade histórica de Matanzas, e longe o suficiente de Havana para que todos se concentrem no objetivo principal – a leitura. À chegada, acontece a operação inversa e o pessoal da Casa de las Américas, verdadeiros “estivadores da cultura”, irá distribuir pelos quartos dos hóspedes suas respectivas cotas de originais. Em 2001, porém, uma novidade foi introduzida em relação à categoria Literatura Brasileira: passaram a concorrer obras publicadas nos três anos precedentes, com o objetivo de tornar conhecido em Cuba e em toda a América Latina o que se publica no Brasil. Assim sendo, a tarefa dessa vez imposta aos jurados brasileiros – escolher o “melhor” entre 321 livros, muitos deles de autores consagrados – pareceu-lhes quase impossível.

Novo espaço

De volta a Havana, uma sucessão de mesas-redondas, em que cada grupo de jurados debateu sobre sua especialidade, e de entrevistas na televisão, onde o Prêmio Casa merece o espaço de vários boletins diários.

Chegara praticamente ao fim o trabalho dos 25 jurados. Entre os de literatura brasileira, a satisfação de terem feito uma escolha que lhes parecia justa: o Prêmio para Nau Capitânia, de Walter Galvani, obra e autor pouco conhecidos que haviam resgatado com grande maestria o perfil de um personagem também nebuloso para a maioria dos brasileiros – Pedro Álvares Cabral; e a menção especial para “(os sobreviventes) “, de Luiz Ruffato (vide entrevista), um livro-revelação que, auguravam todos, ainda daria muito o que falar no Brasil.

E, se a abertura do Prêmio se reveste sempre de emoção sem pompa, o encerramento poderia trazer surpresas. Ou melhor, trouxe a resposta à indagação que intimamente todos se faziam – veriam ou não o “Comandante” em pessoa? Às onze horas da noite, bem depois de terminado o anúncio dos vencedores, o grupo era convocado ao palácio do governo, onde Fidel o receberia com um banquete. Eram quase quatro horas da madrugada quando os convidados saíram de lá, levando a indelével impressão de um homem excepcional que, empertigado e forte em seus 75 (???) anos, é capaz de permanecer horas e horas em pé, sem beber, ou comer, apenas falando, falando, falando.

Quanto ao Prêmio e seus rumos, nem mesmo o atual presidente da Casa de las Américas, o escritor Roberto Fernández Retamar, arriscava-se a prever. Dizia ele, em 1998, quando, a seu ver, o concurso e a instituição já haviam atingido a plena maturidade: “Que farão os jovens com o Prêmio Casa? Ficará como está? Desaparecerá? Encontrará maneiras criadoras de continuar prestando serviços? (…) Quero deixar estas perguntas no ar, com a certeza de que serão bem respondidas”. Seja qual for o futuro para aqueles que todos os anos acionam a máquina do prêmio, o que realmente importa é a certeza de que, através dele, a literatura latino-americana ganhou um novo espaço na arena internacional.

* Angela Leite de Souza é jornalista, escritora e ilustradora. Conquistou o Prêmio Casa de las Américas em 1997, com o livro de poemas Estas Muitas Minas, e fez parte do júri que escolheu o Prêmio de 2001.

MATÉRIA RETIRADA DA REVISTA PRINCÍPIOS – Revista Teórica, Política e de Informação. Número 61 – Maio/Junho/Julho/2001.

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Tempos do Tempo de Ângela Leite

Entrevista concedida por Angela ao escritor Marciano Vasques, idealizador e responsável pela revista digital Palavra Fiandeira, em sua edição nº 61. O entrevistador, que demonstra grande conhecimento da obra da autora, consegue também mostrar ângulos de sua personalidade, por meio de perguntas interessantes e sensíveis.

1. Quem é Angela Leite de Souza?
— Os que me conhecem mais de perto dizem que são duas: a profissional, cheia de energia, que batalha incansavelmente para manter o espaço conquistado e que teve até coragem de encarar um concurso público aos 53 anos de idade, iniciando nova carreira; e a outra, introspectiva, de pouco falar e muito escutar, quase tímida, um coração de manteiga…

2. Você é feita de coração, e certamente poderá dizer e apontar aos nossos leitores logo de entrada, um jeito de viver.
— Já percebi tudo, caro entrevistador, você quer me interpretar pelo que escrevo, não é? Um jeito de viver que considero bom é o do personagem do livro que tem esse título e que é até hoje um dos meus best sellers – sonhando e amando, sempre e acima de tudo. Difícil, mas não impossível.

3. Angela Leite, tudo pode ser brinquedo?
— Pode, embora, muito incoerentemente eu tenha a mania de levar tudo muito a sério. Sinto, porém, que a maturidade tem me dado alguma leveza. E, por outro lado, ao me dedicar cada vez mais à literatura infanto-juvenil, escrevendo ou ilustrando, consegui fazer da brincadeira o meu trabalho.

4. Sempre que eu a vejo em foto ou num vídeo, na maioria das vezes está de vermelho, uma blusa, um detalhe… Isso é apenas coincidência, ou tem algum significado?
— Tenho fascinação por vermelho e sei, vaidosa que sou, que essa cor favorece muito as morenas…

5. Fez recentemente sua estreia no mundo digital de vez, com o lançamento de seu primeiro e-book. Consideramos que a emoção de um livro de papel já é nossa velha conhecida, como foi então a sua emoção diante desse seu primeiro livro digital?
— A primeira sensação que tive – afora o encantamento de ir acompanhando a criação das ilustrações, que o JPVeiga me enviava aos poucos – foi a de me jogar em um precipício: o novo, o desconhecido, cercado de tantas reservas… Mas, à medida que vou me “enfronhando” mais nesse mundo digital, sinto que estou no caminho certo e que o futuro pode me reservar muitas alegrias. A emoção de cada “filho literário” que nasce é sempre grande. Mas, para dizer a verdade, quando fica pronto um novo livro meu, e recebo os primeiros exemplares da editora, morro de medo de folheá-lo e me arrepender de alguma coisa, ou descobrir um erro imperdoável! Então, costumo adiar um pouco o prazer do “cheirinho de papel” que o livro impresso oferece.

6. Nesse livro seus poemas resgatam uma antiga arte japonesa, o haicai. Conte como chegou a esta releitura do fazer poético japonês, sendo que já peregrinou por esse caminho em outras obras, sim?
— Realmente, “Tempos do Tempo” é o quarto livro de haicais que publico. Sem contar alguns avulsos que estão no livro “Estas muitas Minas” e mais umas dúzias que ainda vão virar novos livros. Eu sempre fui muito sintética ao escrever e, há muitos anos, estava eu entregando uns poemas para serem publicados no Suplemento Literário do “Minas Gerais”, quando fui apresentada ao poeta Yacilton Almeida. Ele quis conhecer minha poesia e, ao ler, exclamou: “Você é uma haicaísta nata!” Eu nem sabia se estava sendo elogiada ou não… E tive ali mesmo uma pequena aula sobre o haicai, depois complementada por muitas leituras teóricas e de haicais de autores japoneses e brasileiros que praticaram/praticam essa arte. Só então comecei a experimentar o gênero e tentar corresponder ao que o Yacilton dissera. E me exercitei tanto que hoje tenho dificuldade de escrever poemas extensos. Por que gastar tantas palavras se em três versos é possível contar uma história, ou fazer uma reflexão, ou capturar o momento?

7. Ainda sobre o seu primeiro livro digital, poderia nos dizer quais são os tempos do tempo? Sem entregar o ouro do livro, claro.
— O tempo, na nossa língua, tem duas acepções. À medida que um passa, o outro pode mudar muito… Deixo aí a charada e quem quiser decifrá-la, por favor, que entre em alguma livraria virtual e procure encontrar meu eBook, sem perda de tempo!

8. Angela, palavras são pássaros?
— Sim, e acho que a maioria dos escritores sabe que, por seguro, é bom ter um alçapão à mão.

9. Quando sentiu pela primeira vez que as palavras são pássaros? Era uma menininha? Uma adolescente?
— Talvez a menina que escreveu, com letra incerta de principiante, um texto intitulado “Discurso” e que começava assim: “O dono do Brasil morreu” – já intuísse o quanto a vida pode ser efêmera. Daí, a necessidade de prender logo no papel os acontecimentos importantes. Daí, também, a escolha do jornalismo, como primeira profissão. Mas acho que foi na adolescência, ao ensaiar a poesia, que ela descobriu o quanto as próprias palavras são fugidias e ai de quem não segurá-las enquanto estão passando, apressadas, no redemoinho de nossos pensamentos!

10. Pegar as palavras em pleno voo é o seu jeito de fazer poesia e ser poeta. Mas a poesia é também o jeito que achou de não parar mais de brincar. Poderia, por favor, nos falar sobre isso?
— Acho que já adiantei esse tema ao responder a sua terceira pergunta. Mas posso — acrescentar alguma coisa. Por exemplo, por que o lúdico tem de desaparecer de nossas vidas quando nos tornamos adultos? Não é brincando que a criança aprende a viver a vida real? Certa vez, uma psicóloga considerou como algo negativo, ou seja, como um sinal de imaturidade, essa “solução” que eu havia encontrado na vida profissional. Na época, isso me atormentou um pouco. Hoje acho muita graça: que bom que não matei de todo a criança dentro de mim.

11. Essa imagem de palavras em pleno voo é um encanto. Poderia nos exemplificar um pouco como as palavras podem estar em pleno voo?
— É aquela metáfora que inventei anteriormente: as palavras (ou ideias, ou imagens) começam a se agitar dentro de nós, como pássaros, como insetos, oferecendo-se muito brevemente a nossa escolha. Sem mais nem menos, escapam, e dificilmente conseguimos alcançá-las de novo. Se não tivermos por perto a nossa rede de entomologista – o papel e o lápis, ou o laptop – adeus verso ou frase!

12. E por conta dessa realidade tão virtual, de movimentos incessantes, como deve ser para uma criança estar diante de uma palavra impressa no papel, uma palavra que não se move? Ou a palavra impressa tem movimento? Sendo assim, como levar uma criança a perceber isso?
— Penso que a palavra não precisa se mexer fisicamente para mexer com a cabeça, a imaginação e o senso estético de uma criança. Sua capacidade de fantasiar é tão grande que com toda a certeza, para ela, as palavras dançam, cantam, aprontam sempre. Confio nisso. Porém, penso que o mundo virtual se tornou tão real e tão preponderante para as novas gerações que o caminho talvez venha a ser animar até mesmo as letras. A poesia concreta, por exemplo, já faz isso há muito tempo. Só não contava ainda com a tecnologia digital para ir mais além.

Leia dedicatória no ítem 14
Com o Lino de Albergaria

13. Quando aconteceu e como foi a sua comemoração dos 25 anos de carreira?
— Aconteceu em 2006, na Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte. A ilustradora e artista plástica Regina Rennó organizou uma retrospectiva da minha produção e houve uma performance surpresa, preparada por um grupo de teatro que interpretou trechos de livros meus. Para culminar tanta emoção –pois compareceram até parentes de outra cidade a essa festa – o grupo “Tudo era uma vez”, formado por Dôra Guimarães e Elisa Almeida, presenteou-me declamando, com competência e sensibilidade, alguns poemas meus. Foram momentos que não vou esquecer.

14. Você enviou de Belo Horizonte um livro para uma menina chamada Melissa, com uma dedicatória repleta de lindeza. Claro que esse seu gesto é altamente revelador da personalidade de sua condição de poeta. O que demonstra não haver contradições entre o ser que escreve poemas e a pessoa que se diz Angela… Para você, isso é natural, não é?
— Como disse lá no comecinho desta conversa, tenho a minha dualidade, como quase todo mundo. Fui uma criança calma, dócil e, ao mesmo tempo, moleca, alegre. Adulta, tornei-me reservada, mas irônica, lutadora, mas que foge de brigas. Unindo tudo isso, tenho uma sensibilidade à flor da pele, que me faz cultivar a delicadeza. Talvez como um meio de me proteger… E esse modo de ser é, sim, muito natural para mim.

Dedicatória: “Querida Melissa:
pode ser num armário, numa caixa, no coração… mas guarde sempre as boas coisas que acontecerem em sua vida!
Com um beijão carinhoso,
Angela Leite de Souza
2011.”

15. Participou de um evento ao lado de Lino de Albergaria, e estava radiante, como só poderia, mas conte-nos sobre esse evento.
— Você deve estar se referindo à nossa foto, tirada no dia em que lançamos, em 2009, “sinos_e_queijos.com”, um livro escrito a quatro mãos. Foi um lançamento coletivo promovido pela Editora Dimensão num espaço muito agradável, em Belo Horizonte, e o clima era mesmo de festa e alegria. Esta foi mais uma das muitas parcerias que já fiz com esse grande autor, pois temos uma sintonia fina que permite mesclar nossos estilos com harmonia. E o Lino, além de colega de letras e de trabalho (na Assembleia Legislativa), é um querido velho amigo.

16. Conte como foi para você “chutar o balde”, e onde os leitores podem ler essa sua crônica?
— A crônica foi publicada na “coluna virtual” que assino no site www.primeiroprograma.com.br. Como é uma colaboração semanal, talvez não esteja mais acessível no link que remete aos textos anteriores… Foi o relato de umas férias que resolvi tirar, por 24 horas, das minhas muitas responsabilidades. É possível, é saudável, é inofensivo, eu recomendo.

17. Envolveu-se com alma numa pesquisa sobre as montanhas de Minas. Poderia, por gentileza, nos falar sobre esse projeto e no que ele resultou?
— Creio que você está se referindo ao meu mais recente e acalentado projeto, que se concretizou no livro “Um verso a cada passo – a poesia na Estrada Real”, publicado pela Editora Autêntica no ano passado. Não foi, portanto, apenas nas montanhas mineiras que me embrenhei e sim nesse longo e histórico percurso que atravessa três estados brasileiros e ainda deriva para a Bahia. Foram cinco anos de pesquisas, leituras e coleta de imagens e materiais com que eu iria ilustrar os poemas que compõem o livro, usando a técnica de bordado e colagem em tecido. Valeu a pena tanto trabalho: ele participou da Feira de Bolonha, na Itália, recebeu o selo “Altamente Recomendável” da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, FNLIJ, e, mais recentemente, foi selecionado para o Programa Nacional de Bibliotecas Escolares, PNBE.

18. Seu livro “As Duas Vidas de Helena” é um livro juvenil? Conte algo sobre ele, como pode ser encontrado, etc…
— “As duas vidas de Helena” foi publicado pela Editora Paulus em 2006 e é um livro escrito sobre e para adolescentes. Conta a história das dificuldades de adaptação de uma menina que muda de cidade e de escola, fala do despertar do coração e da necessidade de sermos autênticos para viver com mais felicidade.

19. Minha família ama você. Fale sobre a sua infância, para que possamos ter pistas do desenvolvimento dessa forma de ser de Angela Leite…
— Esse “declaração coletiva” me acalenta a alma, acredite!
Tive uma infância muito feliz, cercada de pais amorosos e uma grande família – como costumam ser as mineiras – tanto do lado paterno quanto materno. Esses muitos tios e tias, além dos avós, me contavam charadas e adivinhas, lorotas e histórias, formando o repertório de lembranças que venho transpondo para minha obra. Como passei a primeira infância numa Belo Horizonte muito pacata, em casa com quintal, brincando livremente na rua e sem tantas diversões quanto tem a criançada de agora, precisava de recorrer à imaginação, aos materiais caseiros e aos poucos brinquedos industrializados disponíveis para me divertir. E, com isso, exercitei uma habilidade que considero mais preciosa ainda que a criatividade: a de me contentar com muito pouco e nunca sentir tédio.

20. Tem o sobrenome Leite, e dessa palavra vem Leitura, que é, de forma resumida, o leite da alma… Como vê o suposto distanciamento das crianças da leitura nesses dias de apetrechos tecnológicos tão fascinantes, entre os quais o celular, e assim sendo, dê uma dica sobre o que pensa que poderia ser feito para atrair de vez os meninos para a leitura.
— Como disse na resposta anterior, tive de fato essa nutrição, inclusive de muita leitura, em minha formação. Não há outro jeito de levar as novas gerações ao livro, penso, senão lendo com eles desde muito pequenos, enchendo o quarto e a casa de livros, demonstrando através de nosso comportamento o prazer que a leitura traz. Mesmo sabendo que o livro digital certamente irá preponderar num futuro não muito distante, não acredito no desaparecimento do livro de papel. Por isso, nós que temos no livro uma das nossas razões de ser, devemos agir como se seu desaparecimento seja uma impossibilidade e prosseguir cultivando/incutindo o amor a esse objeto mágico, apesar de tão desprovido de tecnologia.

21. Ainda no rastro da pergunta anterior, considera que a escola precisa passar por alguma revolução ou o aluno que tem que ser enquadrado numa escola que de modo geral não satisfaz o espírito da época?
— A escola risonha e bela daquele hino que cantávamos na década de 50 nunca se concretizou, nem mesmo em Summerhill. De lá para cá, a pedagogia passou por n metamorfoses, assumiu posturas as mais diversas – indo de um fantástico Paulo Freire a desastres como o banimento da repetência. Hoje, o que se constata no Brasil é a generalizada deterioração do ensino, em razão de políticas educacionais que não promovem o professor nem incentivam essa carreira. Em suma, ainda está por surgir entre nós o sistema, não digo perfeito, mas suficientemente bom para elevar a qualidade da aprendizagem e, consequentemente, a dos formados e dos futuros mestres. Essa a grande revolução que se espera e que pode fazer do brasileiro um leitor no sentido mais completo do termo.

22. É uma autora voltada para a Literatura Infantil, inclusive com Poesia… Considera que a Literatura Infantil seja somente para crianças?
— Comecei na literatura escrevendo para os adultos e só oito livros mais tarde publiquei o primeiro para crianças. Daí por diante, o gosto de escrever para esse público, somado à possibilidade, que logo descobri, de também ilustrar os textos, me levou à especialização nesse gênero. É claro que tenho uma faixa etária em mira quando crio histórias, poemas ou imagens. Mas, assim como a minha “criança interna” se diverte escrevendo e ilustrando, a de outros adultos certamente poderá se identificar nos livros infanto-juvenis. Um exemplo: uma tia minha, aos 80 anos, tinha na cabeceira um livro meu de poemas para crianças que ela lia todas as noites, antes de dormir. E me dizia que se emocionava sempre… A poesia, especialmente, é uma linguagem que aproxima crianças e adultos, penso eu.

23. De um modo geral é difícil lidar e até romper com os entraves e as dissonâncias do espírito que paira nos grupos, e isso não é definitivamente um fenômeno apenas contemporâneo nem exclusivo do Brasil, mas percebo em você um trânsito de sua alma (nenhum sentido religioso aqui nessa palavra) que faz com que ultrapasse tais coisas com delicadeza e serenidade. Acredita que o amor pela arte da literatura pode modificar circunstâncias?
— O coletivo é sempre muito difícil mesmo de administrar. Estar bem dentro de um grupo composto por pessoas com um interesse comum pode ajudar bastante, mas a consonância não é necessariamente o que acontece. As pessoas são falíveis, trazem bagagens bem distintas umas das outras, o que constitui sua riqueza, têm suas complexidades e, no campo da arte, suas ambições e vaidades também. O que não se pode, quando se é parte de um grupo ou associação, é deixar o bom senso e a serenidade serem vencidos pela paixão e pela parcialidade. Assim sendo, o amor, não somente pela arte, mas também pela harmonia, é o que mais conta.

24. Conte-nos algo sobre o livro “A Cotovia e Outras fábulas”.
— “A cotovia e outras fábulas” são criações de Leonardo da Vinci, que eu recontei a partir de outras versões a que tive acesso. O livro foi publicado pela Dimensão e ilustrado, para minha alegria, pelo Rui de Oliveira, o que resultou num primor visual. É mais uma faceta do gênio do Renascimento, que poucas pessoas conheciam – a do fabulista. E o interessante é que são fábulas em geral poéticas e não com aquele habitual cunho moralista, mas somente filosófico.

25. Trabalhou na imprensa, na Revista VEJA, no Jornal do Brasil… O que escrevia? Crônicas? Crítica Literária? Diga aos nossos leitores sobre esse período e essa sua atuação na Imprensa.
— Comecei no jornalismo na editoria de pesquisa de O Globo, como redatora. E esta foi a função que sempre exerci, trabalhando nas mais diversas editorias e áreas. VEJA foi a minha principal escola, porque passei por lá em sua época áurea – fim dos anos 60. Mas, paralelamente ao trabalho de redação, também fazia crítica de livros e de cinema. Para meu espanto, fiquei com fama de impiedosa nesse mister…
Continuei colaborando para diversos jornais e revistas, sempre preferindo fazer resenhas; nos últimos tempos, de literatura infantil e juvenil.

26. Seu livro de estréia foi Amoras com açúcar? Poderia nos resgatar esse extraordinário acontecimento em sua vida?
— Aos 20 e poucos anos de idade, já casada e novamente morando no Rio de Janeiro (lá vivi quase metade de minha vida), eu tinha na gaveta uma coleção de poemas e muitas dúvidas sobre a qualidade deles. Surgiu então a oportunidade de serem avaliados por dois grandes poetas, freqüentadores do famoso “Sabadoyle”, aquele sarau literário que aconteceu décadas a fio na casa do bibliófilo Plínio Doyle. O primeiro poeta, Homero Homem, não só aprovou meus versos como acabou escrevendo o prefácio de “Amoras com açúcar”, o título que dei à coletânea. E o segundo poeta, Gilberto Mendonça Teles, referendando a opinião de Homero, encorajou-me a mandar os originais para alguma editora ou concurso literário. Foi o que fiz. E assim meu livro foi um dos escolhidos pela comissão que selecionava as obras com mérito suficiente para serem publicadas pela Imprensa Oficial de Minas Gerais, nos idos de 70. Foi o primeiro prêmio que conquistei e, ao mesmo tempo, a minha estreia na literatura.

27. Você ganhou o Prêmio “Casa de Las Américas”… Foi um romance? Fale um pouco, por favor. Sei que já deve ter respondido muito sobre esse prêmio em sua carreira, mas, só mais um pouco…
— Quinze anos depois de lançar “Amoras com açúcar”, tive a maior alegria de toda a carreira até aqui: meu livro, também de poemas, “Estas muitas Minas” recebeu, por votação unânime, o Prêmio “Casa de Las Américas” de Literatura Brasileira, em 1997. Àquela altura, eu já começava a me questionar se estava ou não no caminho certo. Afinal, o meu padrinho literário, Homero Homem, me havia dito quando leu aqueles poemas iniciais: “Ai de ti, poeta!” O aval recebido em Cuba me fez criar alma nova. E pouco importa se a poesia continua sendo um gênero meio marginal nas prateleiras das livrarias e nas estantes domésticas, pois desde então assumi que esta era a minha forma de expressão por excelência.

28. É também ilustradora. Tem alguma história sua ilustrada por você mesma?
— Meu caro, tenho ilustrado principalmente meus próprios livros. Dos 16 que até agora ilustrei, somente três são de outros autores.

29. Tem viajado pelo Brasil, e , inclusive, para o exterior. Poderia nos relatar algum momento mais bonito ou que tenha emocionado o seu coração nessas suas andanças?
— Três lugares em especial me marcaram nessas andanças a que me levou a literatura: Sevilha, onde participei de um memorável congresso do IBBY (International Board of Books for Young People); Cuba, onde estive, quatro anos depois de receber o prêmio, como jurada do prêmio de Literatura Brasileira de 2001; e Goiás Velho, aonde fui dar oficinas pelo Proler e, além de me emocionar com a beleza singela de uma surpreendente cidade colonial, fiz amizade definitiva com uma excelente poetisa goiana, Heloísa Campos.

30. Insisto nessa pergunta e ela está sempre surgindo: O que é para Angela Leite a felicidade?
— Acho que já dei a entender o quanto é importante para mim o afeto, não? Pois é, felicidade é amar e ser correspondida – em toda a dimensão que essa palavra compreende. Consequentemente, ser feliz é ter paz espiritual.

31. Escreveu um livro chamado “Medo de Escola”. Qual é a abordagem desse livro? É uma história Infantil?
— Nesse livro, uma história infantil sim, encontrei a forma de exorcizar minha primeira experiência com a escola. Transpus para a ficção uma vivência meio dolorida, pois ao entrar no jardim de infância saí com dificuldade da cálida redoma em que vivia até então. Só que o meu personagem, muito antes de mim, descobriu o lado prazeroso do novo ambiente.

32. Já teve um de seus livros divulgado num programa da Xuxa, pela própria apresentadora. Pode nos contar um pouco sobre isso e qual foi o livro?
— Foi uma agradável surpresa saber que “Palavras são pássaros” tinha sido apresentado por Xuxa em seu programa. Eu nada sabia, até ser avisada pela editora Salesiana, que me mandou o link (este ainda está ativo na página que tenho no site www.caleidoscopio.art.br/angelaleite/agenda-programa-da-xuxa.htm ). De vez em quando, o autor tem alegrias desse tipo. Certo dia, um amigo me telefonou, dizendo que eu ligasse depressa a TV, pois num determinado programa infantil, cujo nome não recordo agora, o boneco apresentador estava folheando meu livro “Os elefantes” e recomendando-o ao telespectador. Este é o nosso verdadeiro salário – o salário moral.

33. Ilustrou o livro “Aranha Castanha e outras tramas”. Como é o seu processo de criação das imagens? Você lê e deixa as cores surgirem? Tem um período de viagem do pensamento na história? Pode revelar algo sobre isso?
— É curioso você perguntar se deixo “as cores surgirem”, pois, exatamente esse livro da Gloria Kirinus é uma obra para jovens e adultos e, assim sendo, teve de ser ilustrado em preto e branco. Quando recebi a incumbência, achei que era o meu maior desafio. Mas, à medida que buscava as soluções visuais para as densas crônicas da autora, descobri as infinitas possibilidades que essas duas cores têm e foi uma delícia ilustrá-lo. Voltando às demais perguntas, meu processo começa com a busca de uma ideia que represente o texto ou que dele derive. Depois, é preciso traduzi-la em alguma imagem que instigue o leitor a pensar e, se possível, ir mais além do texto. Ou que o leve a sorrir. Enfim, que o provoque. E é muito gostoso quando vem o “eureka!” e se pode então partir para o trabalho com as mãos.

34. Tem um poema ou um trecho de algum escrito seu que poderia deixar aqui em sua PALAVRA FIANDEIRA?
— Deixo um dos meus haicais de “Lição das horas” – livro editado pela Miguilim que recebeu um “Altamente recomendável” da FNLIJ e está atualmente esgotado:

À beira do poço
sentei-me com um desejo:
não perder a sede.

35. Tenho que encerrar a entrevista, que foi um De Leite, um devaneio passear na possibilidade de mostrar ao leitor um pouco mais do coração e do fazer literário de você, um momento de rara alegria, e, bem, tenho que encerrar. Mas, para terminar, (Estou abusando, bem sei!) poderia nos expor sobre algum de seus projetos para o futuro?
— Abuso nenhum: para mim foi também delicioso bate-papo, que me fez ir e voltar pelo tempo. Meu próximo sonho já está em andamento: é conseguir patrocínio para o projeto que criei a partir do livro sobre a Estrada Real e que foi aprovado na Lei Rouanet, pelo Minc. No terreno da ilustração, fazer as artes de um livro de poemas já pronto, cujo tema é o mundo da agulha e linha, nos seus múltiplos sentidos. Mas é claro que a cabeça nunca para de fervilhar, com novas idéias e planos, e isso me faz querer viver até os 100 anos para dar conta de todos eles…

36. Que mensagem final deixaria aos nossos leitores? Qual é a sua Palavra Fiandeira?
— Não se trata propriamente de uma mensagem, mas de uns versos de minha poeta favorita, Cecília Meireles, que ultimamente se tornaram uma espécie de lema para minha vida:

“Levai-me aonde quiserdes.
Aprendi, com as primaveras,
a deixar-me cortar
e voltar sempre inteira.”

Marciano Vasques
Abril de 2011

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Lançamento Lição das Horas

A jornalista, escritora e ilustradora Angela Leite de Souza lançou a nova edição do livro “Lição das Horas”. Uma coletânea de hacais com projeto gráfico e ilustrações de Luiza Pessoa. O lançamento foi no sábado, 31 de agosto de 2013, às 10 horas, na Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, Belo Horizonte. “Lição das Horas” teve a primeira edição lançada em 1990 e reúne uma coleção de hacais, cujo ponto de partida é o tempo. Apesar de sempre ter tido uma escrita sintética, a experiência de Angela Leite de Souza com o gênero poético de origem japonesa aconteceu no final da década de 1980. Durante o lançamento, houve esquete poético-musical, dirigida por Érica Lima.

Entrevista para o programa “Universo Literário”, da UFMG, feita pela Rosaly Senra para o lançamento do livro ‘Lição das horas’ que será lançado neste sábado, dia 31/8/13, na Biblioteca Pública Luiz de Bessa, Belo Horizonte a partir das 10 horas. Durante a sessão de autógrafos, será apresentado um esquete poético-musical, pela atriz Érica Lima.

OUÇA A ENTREVISTA DO LANÇAMENTO: LIÇÃO DAS HORAS

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Programa ABZ DO ZIRALDO

Ziraldo e Angela

Ziraldo conversa com a escritora e ilustradora Angela Leite de Souza.
Ela conta sobre sua carreira literária, iniciada em 1982, dos mais de 60 livros publicados, dos vários prêmios recebidos, da poesia como sua forma predominante de expressão e de seus trabalhos de ilustração com bordados e colagens de tecidos.

Veja a entrevista:

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Diga-nos, poeta

Prêmio pelo 2º lugar no “Concurso de Poesia Fernando Pessoa”, obtido com o poema inédito “Diga-nos, poeta”, em que homenageia Carlos Drummond de Andrade.

Diga-nos, Poeta

O ruflar de ondas
em seu nome
escondia a fonte mineiral
iludindo os mais insontes.
Sério Drummond sem mar
que um anjo, embora torto,
conseguiu levar.

Nessa gleba onde pousa, agora,
os pés ausentes
de cansaço,
diga-nos, Poeta,
que tal é ser, de fato,
fazendeiro do ar?
O Deus que não buscava,
daí você o vê
ou queda-se abstrato
no seio da Palavra?

Ah, esta sim, sua lavra
mais exata
mais que perfeita,
mestre modesto, mago das letras
com mil fórmulas secretas
de desencantar insetos
fazendo surgir cometas:
a impossível receita
dessa oficina irritada
que fabricava sonetos
e de um par de dentaduras
extraía siso e verso.
Ser esquivo, ser humilde,
para Carlos com seus óculos
de timidez e malícia,
era ser do tipo gauche.
Nesse avesso revelado
ocultava o vero lado,
a outra face do homem
que acima de tudo amou.
Em pensamento, palavras,
em obras de toda sorte,
amava, amava, amava.
De tanto amar
quis a morte.
(No fundo,
já estava morto.
O coração, carne viva,
batia de teimosia,
pulsava só por pulsar,
dolorido de remorsos
pela filha que se ia
em seu lugar.)

De tanto amor ao perdido
quis morrer.
Talvez por simples prazer
de gozar os seus direitos
de eternidade.
Direito de não sofrer
não fazer versos
não ter
que propor ideologias
que fundar neologismos
que suportar em seus ombros
o peso crescente do mundo.
Entre as lições que legou,
nesse ofício de mudar
as coisas em emoções
e a emoção em Poesia,
é ele próprio a maior:
seu canto
– o verbo iluminado.

Porém, a pedra
no meio do caminho,
ai! Poeta, ainda está.
Sem calor que a dissolva,
sem canção que a resolva.
Órfã. Perdida. Pedra.

Como se indagasse muda:
E agora, Drummond?

Angela Leite de Souza

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Poema escrito na semana em que faleceu Drummond e que obteve o segundo lugar no Concurso de Poesia Fernando Pessoa, promovido em julho de 2002 pela Universidade Federal de Itajubá.